Depoimento – Adriana
Meu nome é Adriana Antunes Lacerda, tenho 55 anos (54 quando tudo aconteceu) e vivo em Alegrete/RS. Tudo começou com uma dor no dente siso, numa sexta-feira. Eu tinha ido visitar uma filha. Olhava no espelho e não tinha nada nos meus dentes, imaginei que o problema era interno.
Sábado de manhã fui até a farmácia e comprei um anti inflamatório e comecei a tomar junto com remédio para dor. Na segunda-feira de manhã, a dor ainda não tinha passado. Então, mandei uma foto para uma das minhas filhas, que é dentista em Porto Alegre/RS, ela se apavorou na hora e disse para eu ir para o hospital imediatamente, pois estava com Angina de Ludwig.
Fiz as malas rapidamente e fomos. Alegrete, a cidade em que vivo, é na fronteira do Brasil com Argentina e Uruguai, pequena e sem recursos. Cheguei lá e me colocaram num quarto e os médicos que iam me ver não me deram nenhuma medicação.
Passou segunda e terça, acordei, tomei banho e fiquei lá no hospital. Quando chegou a noite eu estava muito inchada. Pescoço, rosto, nuca. Nesse momento me levaram para a “sala vermelha” e me entubaram pela boca e fizeram 3 tentativas de me colocar em coma, até que conseguiram.
Nisto minha filha dentista de Porto Alegre e a caçula que mora em Santa Catarina já estavam se deslocando para o hospital em que eu estava. Ainda no carro, minha filha dentista pediu pra fazerem um corte no meu pescoço para purgar a infecção e nenhum médico queria fazer, por sorte de Deus temos um primo médico que tem 70 anos e disse que poderia fazer o procedimento.
Minha filha ainda na estrada pediu para que o procedimento fosse feito pois a infecção iria chegar no coração e o risco de morte era grande. Meu primo médico então cortou, purgou e colocou drenos. Minhas filhas e família chegaram de manhã na quarta-feira, foi quando tive a primeira parada cardíaca, e fiquei 6 minutos morta até me ressuscitarem.
Foi contratada por 10 mil reais uma ambulância UTI, e a UTI de Alegrete não queria me liberar por medo de eu morrer e eles serem responsáveis. Graças a Deus temos boas relações e minha filha conseguiu me liberar para ir para a cidade de Santa Maria/RS para a UTI da UFSM.
Antes disso, ainda em Alegrete tive mais 2 paradas cardíacas, os médicos já tinham mandado minha família para casa pois acreditavam que eu não resistiria.
Com a documentação e advogados prontos me liberaram da UTI de Alegrete e me colocaram na ambulância com médico, enfermeiros e minhas filhas junto.
Cheguei por volta da meia noite, com o coração batendo a 250 por minuto. Lá já tinha uma equipe me esperando, especializada em cabeça e pescoço. Na hora me levaram pra dentro do quarto e em 20 minutos me estabilizaram.
Minhas filhas foram me ver e descansar, eu já tinha tido várias paradas renais, derrame na pleura, e estava em choque séptico. Minha família conta que mesmo em coma eu apertava a mão delas, escorriam lágrimas dos meus olhos e me comunicava através de piscadas: duas para sim e uma para não. Eu não lembro disso, mas está no meu subconsciente.
Passaram 30 dias até me acordarem, eu peguei uma bactéria no intestino que ninguém podia me tocar pois era altamente contagiosa. O contato só era permitido com luvas, máscaras e aventais.
Quando acordei fiquei perdida por viver nessa realidade paralela por mais de dois meses. Até hoje tenho alguns problemas de memória e minha cabeça dói quando fico muito cansada.
Tudo isto aconteceu pois eu sou diabética tipo 2 e não sabia na época. Quando mediram a minha glicose estava em 700.
Na UTI de Santa Maria fizeram traqueostomia, então eu não falei, não comi e não bebi água por dois meses, foram 30 deles em coma.
Estava tão inchada que o aparelho de pressão não fazia a volta no meu braço. Fazer o desmame da traqueostomia é difícil, tem que ser forte. Depois de acordada eu não caminhava mais, então alguns fisioterapeutas vieram e me seguraram e tentaram fazer eu andar mesmo com alguém levando a traqueostomia.
Me colocaram na cama e comecei a ter falta de ar e arranquei tudo que tinha grudado em mim: traqueostomia, sangue, até o do nariz e por sorte não tirei as duas agulhas da jugular por onde me aplicavam os remédios. Comecei a rolar pela cama em desespero e com muita falta de ar.
A Dra. viu minha situação e começou a contar “ela dizia 40, 30, 20” e eu ouvindo e me rolando até os pés da cama, e vi quando entrou um enfermeiro com a adrenalina.
Ouvi quando a Dra. disse que “ela foi a óbito”, alguém falou algo e ela repetiu novamente “ela foi a óbito!”. Estive me olhando do teto da UTI enquanto me ressuscitaram. Vi meus pais, meus dois irmãos que já faleceram me abraçar e me dar tchau, daí apaguei.
Quando acordei soube que meu pulmão estava até a metade de água, tive um bronco espasmo. Depois disso fui me recuperando bem, os braços e barriga todos roxos de tanto anticoagulante. Comecei a caminhar e sentar todos os dias. Tive muita força de vontade de viver e me recuperar.
Tive alta quando consegui voltar a comer e beber água. Ainda caminhava mal, então contratei uma fisioterapeuta para vir em casa me ajudar e minha recuperação para caminhar foi rápida por causa da memória muscular. Fazia exercícios físicos desde quando tinha 4 anos e antes de tudo isso era bailarina clássica e professora de dança flamenca também.
Hoje durmo com CPAP, que chegou depois de uns dois meses de alta, a fisioterapeuta fez massagens e desde aí uso o CPAP e bombinha. Usei muito nebulizador e às vezes ainda uso. Tenho uma tosse que ainda não me abandonou da traqueostomia mas tenho fé que vai passar.
Não fiquei com sequela nenhuma no coração, rins ou qualquer outro órgão, também não cheguei a fazer hemodiálise porque meus rins mesmo nas paradas renais voltaram a funcionar. Perdi cabelos durante o tratamento, mas eles já voltaram a crescer normalmente. A diabetes está controlada com medicação.
Me sinto uma vitoriosa por ainda estar viva e sã, e em 2023 quero voltar a dançar. Aproveito para agradecer quem leu até aqui o meu depoimento.
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